29 de maio de 2010

PRECE


Quando rezamos ,não mudamos o mundo, mudamos a nós mesmos. Mudamos nossa consciência. Passamos de um tipo de consciência individual, isolada, voltada para as coisas práticas , para uma conexão mais profunda com a realidade, o mais abrangente possível. E então, a questão:
“Como você se recobrou ? “ torna-se mais uma questão sobre mistério do que sobre eficácia. Um tipo de questão muito diferente.

Em seu aspecto mais profundo, a prece é uma declaração sobre a causalidade.
Recorrer a uma prece é libertar-se da arrogância e vulnerabilidade de uma causalidade isolada e individual. Quando rezamos, paramos de tentar controlar a vida e nos lembramos de que pertencemos a ela. É uma oportunidade de vivenciar a humildade e reconhecer a graça.

Às vezes, as preces mais poderosas são também as mais simples. Certa vez, quando eu estava deitada na minha mesa de operação à espera da anestesia, um dos cirurgiões pegou minha mão e perguntou se eu gostaria de juntar-me a ele e à sua equipe em uma prece. Espantada, assenti com a cabeça. Ele reuniu a equipe ao redor da mesa de operação para um momento de silêncio, após o qual ele disse serenamente :
"Que possamos ser ajudados a fazer o que for mais certo"

Essa prece tradicional dos índios americanos parece um modo bastante simples de resignar-se à suprema causalidade. Por meio dela, em uma sala de cirurgia equipada com o a mais avançada tecnologia, não estamos sozinhos em casa. O alento que o cirurgião me ofereceu foi autentico. Senti meus temores em relação ao resultado dissipar-se , e adormeci com a anestesia apegando-me àquelas poucas palavras, com a mais profunda sensação de paz. Assim como todas as preces genuínas, esta prece é um modo poderoso de acolher a vida, encontrando um lar em qualquer resultado e lembrando que pode haver razões além da razão.


A prece é um movimento do domínio para o mistério. Eu costumava orar por meus pacientes. Hoje, oro também por mim. Às vezes, rezo por compaixão, porém com mais freqüência rezo para não causar dano, a grande qualidade espiritual incorporada ao juramento de Hipócrates. Como ser humano, sei que nunca posso esperar ter a profundidade e amplidão de perspectiva para saber se qualquer uma de minhas ações irá em última análise causar mal ou curar. Contudo, minha esperança é poder ser usada para atender um propósito santo sem jamais ficar sabendo. Por isso, às vezes, antes de atender um paciente, faço uma pequena prece sem palavras : Compreender o sofrimento está além de mim.Compreender a cura, também. Mas neste momento, estou aqui. Use-me.


Retirado do livro : HISTÓRIAS que curam , de Rachel Naomi Remen